quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Atingir a Felicidade
Embora seja possível atingir a felicidade, a felicidade não é uma coisa simples. Existem muitos níveis. O Budismo, por exemplo, refere-se a quatro factores de contentamento ou felicidade: os bens materiais, a satisfação mundana, a espiritualidade e a iluminação. O conjunto destes factores abarca a totalidade da busca pessoal de felicidade. Deixemos de lado, por ora, as aspirações últimas a nível religioso ou espiritual, como a perfeição e a iluminação, e concentremo-nos unicamente sobre a alegria e a felicidade, tal como as concebemos a nível mundano. A este nível, existem certos elementos-chave que nós reconhecemos convencionalmente como contribuindo para o bem-estar e a felicidade. A saúde, por exemplo, é considerada como um factor necessário para o bem-estar. Um outro factor são as condições materiais ou os bens que possuímos. Ter amigos e companheiros, é outro. Todos nós concordamos que para termos uma vida feliz precisamos de um círculo de amigos com quem nos possamos relacionar emocionalmente e em quem possamos confiar. Portanto, todos estes factores são causas de felicidade. Mas para que um indivíduo possa utilizá-los plenamente e gozar de uma vida feliz e preenchida, a chave é o estado de espírito. É crucial. Se utilizarmos as condições favoráveis que possuímos, tais como a saúde ou a riqueza, com fins positivos, para ajudar os outros, esses factores contribuem para uma vida mais feliz. Claro que, pessoalmente, também tiramos partido destas coisas —-facilidades materiais, sucesso, etc., mas se não tivermos a atitude mental correcta, se não cuidarmos do factor mental, estas coisas acabam por ter pouca incidência sobre o sentimento geral de felicidade. Por exemplo, se guardarmos ódio ou rancor no fundo de nós mesmos, isso acabará por destruir a nossa saúde, destruindo assim um dos factores. Por outro lado, se nos sentirmos infelizes ou frustrados, o conforto material não chegará para nos compensar. Mas se mantivermos um estado de espírito calmo e sereno, poderemos sentir-nos felizes mesmo se a nossa saúde não for das melhores. Em contrapartida, mesmo se possuirmos objectos raros ou preciosos, podemos querer deitá-los fora ou destruí-los num momento de grande cólera ou ódio. Nesse momento, os bens não significam nada para nós.Existem actualmente sociedades com um grande grau de desenvolvimento material e no seio das quais muitos indivíduos não se sentem felizes. A nível superficial, essa abundância é muito atraente, mas por trás existe um desassossego mental que leva à frustração, a discórdias desnecessárias, à dependência das drogas ou do álcool e, no pior dos casos, ao suicídio. Não existe portanto nenhuma garantia de que a riqueza por si só possa trazer-nos a alegria ou a satisfação que procuramos. O mesmo se pode dizer dos amigos. Quando estamos muito zangados, mesmo um amigo muito próximo pode parecer-nos glacial, frio, distante e muito irritante.Tudo isto indica a enorme influência que o estado de espírito, o factor mental, pode ter na nossa vivência de todos os dias. Portanto, temos de ter esse factor seriamente em linha de conta. Independentemente de uma prática espiritual, mesmo em termos mundanos, a nossa capacidade de desfrutar de uma vida agradável e feliz depende da nossa serenidade mental. Talvez devesse acrescentar que quando falamos de um estado de espírito calmo ou de paz de espírito não devemos confundir isso com um estado de insensibilidade ou de apatia. Possuir um estado de espírito calmo não significa estar completamente alheado ou amorfo. A paz de espírito, esse estado de serenidade, tem de estar enraizado na afeição e na compaixão, o que implica um grande nível de sensibilidade e de sentimento. Enquanto nos faltar a disciplina interior que conduz à serenidade, sejam quais forem as facilidades ou as condições exteriores que nos rodeiam, elas nunca nos trarão esse sentimento de alegria e de felicidade que procuramos. Por outro lado, se possuirmos as qualidades interiores de serenidade e de estabilidade, mesmo que os factores exteriores de conforto normalmente considerados como indispensáveis à felicidade não estejam em nossa posse, podemos ter uma vida alegre e feliz. 
Dalai Lama, in 'The Art of Happiness'

terça-feira, 22 de outubro de 2013

"Uma literatura que não respire o ar da sociedade que lhe é contemporânea, que não ouse comunicar à sociedade os seus próprios sofrimentos e as suas próprias aspirações, que não seja capaz de perceber a tempo os perigos morais e sociais que lhe dizem respeito, não merece o nome de literatura: quando muito pode aspirar a ser cosmética." 

[Alexander Soljenitsyne - O escritor russo, dissidente do regime comunista, foi condenado a ficar em um campo de trabalho forçado soviético depois de escrever cartas que criticavam o governo. Ele ganhou o prêmio Nobel de literatura em 1970 pelos seus livros, que expunham a brutalidade dos campos de trabalho na União Soviética.]
"Imersos na realidade de seu pequeno mundo, não eram capazes de vê-la. "Tomando distância" dela, emergiram e, assim, a viram como até então jamais a tinham visto." [Paulo Freire em carta retirada do livro "Professora sim, tia não].

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Crescimento Cultural

"Como indivíduos, verificamos que o nosso desenvolvimento depende das pessoas que conhecemos no curso da nossa vida (essas pessoas incluem os autores cujas obras lemos e as personagens, tanto da ficção como da história). O benefício desses encontros é devido tanto às diferenças como às semelhanças, tanto ao conflito como à simpatia entre pessoas. Feliz é o homem que, no momento oportuno, encontra o amigo adequado; feliz também o homem que, no momento adequado, encontra o inimigo adequado.
Não aprovo o extermínio do inimigo; a política de exterminar ou, como se diz barbaramente, liquidar o inimigo constitui um dos mais alarmantes desenvolvimentos da guerra moderna e, também, da paz moderna, do ponto de vista de quem deseja a sobrevivência da cultura. Precisamos do inimigo. Assim, dentro de certos limites, o atrito, não só entre indivíduos mas também entre grupos, parece-me necessário à civilização. 
A universidade da irritação é a melhor garantia de paz. Um país dentro do qual as divisões tenham ido demasiado longe é um perigo para si próprio; um país demasiado unido - seja por natureza ou por intenção, por fins honestos ou por fraude e opressão - é uma ameaça para os outros." 

Thomas Stearn Eliot, in 'Notas para a Definição de Cultura
"É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução."

Fonte - A Rebelião das Massas, José Ortega y Gasset.

A terra prometida

"Poder dormir
Poder morar
Poder sair
Poder chegar
Poder viver
Bem devagar
E depois de partir poder voltar
E dizer: este aqui é o meu lugar
E poder assistir ao entardecer
E saber que vai ver o sol raiar
E ter amor e dar amor
E receber amor até não poder mais
E sem querer nenhum poder
Poder viver feliz pra se morrer em paz."

[Vinicius de Moraes]

Keith Richard & Ron Wood - You got the silver 2007

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Não sei mais o que pode se tornar jurisprudência neste país...

A concubina que mantém relação estável com um homem casado com outra mulher pode receber dele pensão alimentícia depois que os dois se separam? A questão, que divide tribunais em todo o país, será enfim respondida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que julga terça-feira (8) pedido de uma carioca abandonada pelo companheiro.

A autora da ação se relacionou com o homem casado por três décadas, e era sustentada por ele. Hoje doente, pede a pensão. Já obteve vitória no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que considerou que ela conseguiu provar a dependência financeira de "forma indubitável". Nestes casos, o pagamento deve ser feito "mesmo quando o varão encontra-se casado". A pensão foi fixada em 20% dos rendimentos do réu.

A decisão formará jurisprudência a ser seguida por todos os tribunais do país. Outros direitos, no entanto, continuarão exclusivos da esposa oficial. Como, por exemplo, a divisão de patrimônio, à qual a concubina só faz jus quando prova que contribuiu para a aquisição dos móveis ou imóveis. [Colunista Mônica Bérgamo]
"Ela deixa uma calcinha na casa dele, o macho moderno já assusta.
Ela deixa duas calcinhas, epa, o medo do cara diante do varal só aumenta.
Ela deixa um biquíni, afina de contas ela é carioca e quer ir à praia a qualquer momento que estiver na casa dele.
Ela deixa um shorts jeans, destes atuais, com os bolsos por fora.
Epa!
O macho moderno, que foge do vínculo como um beduíno sem rumo no deserto, começa a ficar assustado,  bota aquele olho do desespero, fica ensaiando para dizer algo para a moça, uma advertência etc.
Mais uma calcinha, agora no chuveiro, cada pingo um suspense na cabeça do sujeito.
Sem coragem para dizer nada, ele põe aquela tromba entediada, para começo de história.
Um colar, dois colares, brincos espalhados pela casa, joias e bijuterias … Tudo que reluz é susto para o rapaz.
Ele, estranhamente, vai se afastando da gazela.  Começa a sabotagem.
Tenho um amigo, também do time dos assustados,  que estabeleceu um critério: “Passou da meia dúzia de peças de roupa eu devolvo”.
Como se as seis inocentes calcinhas significassem casamento.
Bobagem, meu filho.
Às vezes ela deixa por praticidade, como o biquíni acima citado, por exemplo. Ela deixa por se tratar de uma moça relax, a leveza do ser em pessoa.
O medo do macho moderno diante do varal ou do cabide.
Bobeira.
Nada mais bonito do que aquela primeira calcinha pingando ainda um difuso sentimento no chão do banheiro.
O varal, aos poucos, como se fosse a primavera, florindo com as calcinhas dela.
Como me disse outro dia o Manuel, meu porteiro de Copacabana, “como é feio e triste um varal só de cuecas”.
De mudança, eu subia distraído com um varal recém comprado.
Manuel completou: “O varal já tem, seu Xico, agora só falta a mulher”.
O sábio porteiro ainda me acompanhou no elevador, com mais uma pérola:
“Compre umas calcinhas e pendure no varal, pelo menos para se iludir que tem uma mulher”.
Uma onda esse paraibano morador de Duque de Caxias.
Profissional, ele sabe como a presença da mulher é capaz de injetar vida no inóspito ambiente com o cheiro do queijo da solidão e da solteirice absoluta.
Uma calcinha, duas calcinhas, três calcinhas… Deixa a moça enfeitar sem medo a árvore da vida."

(Xico Sá, colunista da Folha de São Paulo em "O medo do homem diante do varal")


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Um território chamado Brasil

"O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças.

O maior dilema do ser humano em todos os tempos tem sido exatamente esse, o de lidar com a dicotomia eu-outro. Porque, embora a afirmação de nossa subjetividade se verifique através do reconhecimento do outro --é a alteridade que nos confere o sentido de existir--, o outro é também aquele que pode nos aniquilar... E se a Humanidade se edifica neste movimento pendular entre agregação e dispersão, a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença.

Nascemos sob a égide do genocídio. Dos quatro milhões de índios que existiam em 1500, restam hoje cerca de 900 mil, parte deles vivendo em condições miseráveis em assentamentos de beira de estrada ou até mesmo em favelas nas grandes cidades. Avoca-se sempre, como signo da tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos.

Até meados do século 19, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, jornalistas, artistas plásticos, cineastas, escritores.

Invisível, acuada por baixos salários e destituída das prerrogativas primárias da cidadania --moradia, transporte, lazer, educação e saúde de qualidade--, a maior parte dos brasileiros sempre foi peça descartável na engrenagem que movimenta a economia: 75% de toda a riqueza encontra-se nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...

Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios --o semelhante torna-se o inimigo.

A taxa de homicídios no Brasil chega a 20 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, o que equivale a 37 mil pessoas mortas por ano, número três vezes maior que a média mundial. E quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas elétricas, segurança privada e vigilância eletrônica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos.

Machistas, ocupamos o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas. Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados.

Hipócritas, os casos de intolerância em relação à orientação sexual revelam, exemplarmente, a nossa natureza. O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade.

E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução.

O sistema de ensino vem sendo ao longo da história um dos mecanismos mais eficazes de manutenção do abismo entre ricos e pobres. Ocupamos os últimos lugares no ranking que avalia o desempenho escolar no mundo: cerca de 9% da população permanece analfabeta e 20% são classificados como analfabetos funcionais --ou seja, um em cada três brasileiros adultos não tem capacidade de ler e interpretar os textos mais simples.

A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior.

Mas, temos avançado.

A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia - são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.

Infelizmente, no entanto, apesar de todos os esforços, é imenso o peso do nosso legado de 500 anos de desmandos. Continuamos a ser um país onde moradia, educação, saúde, cultura e lazer não são direitos de todos, mas privilégios de alguns. Em que a faculdade de ir e vir, a qualquer tempo e a qualquer hora, não pode ser exercida, porque faltam condições de segurança pública. Em que mesmo a necessidade de trabalhar, em troca de um salário mínimo equivalente a cerca de 300 dólares mensais, esbarra em dificuldades elementares como a falta de transporte adequado. Em que o respeito ao meio-ambiente inexiste. Em que nos acostumamos todos a burlar as leis.

Nós somos um país paradoxal.

Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edênicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. Ora festejado como um dos países mais bem preparados para ocupar o lugar de protagonista no mundo --amplos recursos naturais, agricultura, pecuária e indústria diversificadas, enorme potencial de crescimento de produção e consumo; ora destinado a um eterno papel acessório, de fornecedor de matéria-prima e produtos fabricados com mão de obra barata, por falta de competência para gerir a própria riqueza.

Agora, somos a sétima economia do planeta. E permanecemos em terceiro lugar entre os mais desiguais entre todos...

Volto, então, à pergunta inicial: o que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida?

Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro --seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual-- como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir. Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso, escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora."

(Luiz Ruffato)