Nicholas Carr, finalista do Pulitzer, tem sido um crítico dos efeitos da Internet no nosso cérebro. Diz que a velocidade e bombardeamento de informação constante estão a fazer-nos perder a capacidade de concentração e a tornar-nos menos reflexivos. Quinta e última entrevista da série sobre a Internet.
O livro de Nicholas Carr The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains, foi finalista dos prémios Pulitzer de não-ficção. Como o título indica, centra-se no impacto da Internet no nosso cérebro e nos efeitos perversos do seu lado distractivo, errático e rápido.
Este é um tema a que se tem dedicado e que o levou a escrever um ensaio amplamente divulgado no meio, Is Google making us stupid? (pode ler-se na edição online da revista The Atlantic), onde relata a sua experiência de leitura pós- Internet e os efeitos na memória e concentração. Autor ainda de The Big Switch: Rewiring the World, from Edison to Google (2008) e de Does IT Matter? (2004), tem debatido o seu ponto de vista em várias universidades pelo mundo.
O que é que o surpreendeu mais no avanço da Internet desde que a começou a usar?
O mais surpreendente foi a transformação de um meio de informação para um meio de mensagens – particularmente nos últimos anos, as pessoas tendem a usar a tecnologia para trocar mensagens pessoais, mais do que para procurar informação.
Desde o princípio que o email foi uma parte importante da Internet, mas aweb era mais usada para a visita a páginas, para encontrar informação e explorar assuntos. À medida que usamos mais as redes sociais, a Internet torna-se mais num meio para enviar e receber mensagens. Não esperava que o uso da tecnologia mudasse tão drasticamen
E como é que esse aumento na troca de mensagens afecta a forma como interagimos e pensamos?
A forma como a Internet se desenvolveu tornou-a mais distractiva, exigindo às pessoas que retenham constantemente pequenas partes de informação e que monitorizem pequenas correntes de informação. Uma das grandes mudanças nos últimos anos, com o advento de novas redes como o Facebook e o Twitter - e isso combinado com o aparecimento dos smartphones e dos pequenos computadores - é que a forma como a Internet funciona mudou. Portanto, passámos do modelo de ir a uma página web ver o que tinha para oferecer para o modelo de informação que está a correr constantemente e que aparece de vários sítios: do SMS, do email, das actualizações do Facebook e dostweets. Isso encorajou as pessoas a aceitar interrupções constantes, a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Perdemos a capacidade de afastar as distracções e de sermos pensadores atentos, de nos concentrarmos no nosso raciocínio, ou seja, a forma como a tecnologia evoluiu nos últimos anos tornou-se mais distractiva; encoraja uma forma de pensar que é a de passar os olhos pela informação e desencoraja um pensamento mais atento.
A geração que cresceu entre o mundo analógico e o digital está entre essas duas formas de pensar e agir, mas quem é “nativo digital” está já imerso nessa realidade multitasking [de tarefas múltiplas] e distractiva que descreve. Isto não é mais uma mudança do que propriamente uma perda na forma como essa geração pensa?
Não estou convencido de que exista essa separação clara e definida entre uma geração e outra, a dos “nativos digitais” e a dos “imigrantes digitais”. A tecnologia é usada por mais velhos e mais novos e os efeitos tendem a ser os mesmos para a maioria. A diferença é que quanto mais cedo se está imerso na tecnologia – e é verdade que a tecnologia está a ser usada por pessoas cada vez mais novas –, maiores serão os efeitos na forma como aprendem a pensar. Uma das coisas que se sabem é que as grandes mudanças no nosso cérebro acontecem quando somos novos. Portanto, se as crianças estão imersas numa tecnologia que encoraja o multitasking e o pensamento distractivo, vão adaptar-se a isso e infelizmente não vão ter a oportunidade ou o incentivo para desenvolver modos de pensar mais contemplativos e reflexivos. Há o mito de que os “nativos digitais” não sofrem os efeitos das novas tecnologias, porque se adaptam desde cedo. Acontece que isso é completamente errado: são bastante influenciados pelos aspectos positivos e negativos da tecnologia, porque ela marca a forma como pensam desde o princípio.
Como é que imagina as principais mudanças na forma de pensar desta geração daqui a dez anos?
As conexões do nosso cérebro formam-se durante esse período em que lançamos as fundações do nosso modo de raciocinar que perdura pelo resto das nossas vidas. Se a maior parte da nossa experiência se centra em olhar para um ecrã, em particular um ecrã de computador, que encoraja mudanças rápidas na nossa atenção, o multitaskinge a atenção repartida, então esse passa o ser o modo como optimizamos o nosso cérebro para agir – treinamo-nos a nós próprios para pensar dessa forma. Por outro lado, se não dermos oportunidade para desenvolver outros modos de pensar mais atentos que requerem concentração – o tipo de pensamento que é encorajado, por exemplo, por um livro impresso, porque não há mais nada além das páginas –, isso vai influenciar a forma como pensamos e mais especificamente a estrutura do nosso cérebro. Essencialmente, estamos a fazer uma escolha ao disponibilizar a tecnologia para crianças cada vez mais novas, estamos a fazer com que elas pensem de uma forma que diria superficial, dando informação a toda a hora, dividindo a sua atenção. Não penso que isto seja a primeira vez que isto acontece com a tecnologia, mas a sociedade devia fazer julgamentos sobre a forma como usamos as nossas mentes baseados no que a tecnologia tem de bom e de mau.
No seu livroThe Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains fez uma analogia sobre as novas ferramentas com os mapas, que transformaram a nossa noção de tempo e de espaço, e, por exemplo, o relógio mecânico, que na altura também transformou a nossa noção do tempo. Por que acha que a Internet tem mais influência na nossa forma de pensar do que os mapas ou relógios tiveram na altura?
Acho que os mapas e os relógios não influenciaram completamente a forma como pensamos, antes encorajaram modos de pensar mais abstractos sobre o mundo, mudaram a nossa percepção do espaço e de tempo. Olhando para a Internet e para os computadores em geral: nunca tivemos tecnologia que usássemos tão intensamente durante todo o dia. Cada vez mais pessoas usamsmartphones. Que modos de pensamento a tecnologia incentiva e que modos de pensamento desincentiva? Como disse, encoraja um modelo de pensamento mais disperso e desencoraja um pensamento mais atento. Algumas pessoas podem dizer que o pensamento mais tranquilo, contemplativo, não é muito importante, que deveríamos tornar-nos mais superficiais e obter informação mais rapidamente. Há outras pessoas, como eu, que defendem que há certos aspectos da mente humana a que só temos acesso quando prestamos atenção. Há provas de que a atenção é crucial para a formação de memória, para o pensamento crítico e conceptual e, por isso, essas formas de pensar são extremamente importantes para aproveitar todo o potencial da mente humana.
Falando da memória a longo prazo, uma das coisas que os aparelhos nos permitem fazer – o computador, o email, o telemóvel – é documentar e arquivar as nossas conversas, relações, muito mais do que antes. Como acha que a nossa relação com o passado vai ser afectada por isso?
Não tenho a certeza de que vá afectar o nosso passado. As pessoas tiraram fotografias, e mais recentemente fizeram vídeos, e uma das coisas que sabemos é que, quando estamos a registar estas coisas, achamos que é muito importante, mas depois na verdade não olhamos para elas, achamos um pouco chato revisitar as coisas do nosso passado. É verdade que o Facebook e outros meios nos permitem armazenar mais informações e imagens sobre a nossa vida, mas não tenho a certeza de que as pessoas passem, de facto, muito tempo a olhar para elas….
Ter acesso imediato a factos, à informação e às nossas interacções parece influenciar o modo como formamos memórias. Há estudos que mostram que quanto mais se acredita que se vai encontrar algo através do Google, menos provável é que nos lembremos disso. Não há nada de errado nisso, sempre houve livros. O perigo aqui é que algumas pessoas pensem que, se tudo estiver disponível online, não temos de nos lembrar de nada, não temos de ter essa informação pessoal na nossa memória a longo prazo. A questão é que a memória pessoal é diferente daquilo que estáonline. Muita da riqueza do nosso pensamento vem da nossa capacidade de deslocar informação – factos, emoções – da nossa memória de curto prazo para a nossa memória a longo prazo. É através desse processo – daquilo a que os psicólogos chamam “consolidação da memória” – que ligamos aquilo que sabemos, aquilo que aprendemos, a nossa experiência com outros factos e experiências. E são essas conexões, essas conexões pessoais que fazemos entre toda a informação que está na nossa memória, que nos permitem pensar conceptualmente, ir além dos pequenos bocados de informação e factos que os computadores fornecem e formar um conhecimento pessoal único – o que na verdade desenvolve o eu pessoal. Por isso, há o perigo de confundirmos os dados de computador e que estão online com memória pessoal, que são coisas diferentes e desempenham papéis diferentes. Mas se sacrificamos a nossa memória pessoal porque acreditamos que podemos encontrar tudo online,então perdemos a base do nosso pensamento mais profundo.
Hoje a Internet, como observa, está refém da velocidade e da “alimentação” constante. Como é que os media podem tirar vantagens de outro tipo de velocidade da Internet?
Uma das coisas mais interessantes que a Internet está a mudar é a nossa percepção do tempo – está a fazer-nos esperar por respostas e informação muito rápidas e a treinar-nos para que, cada vez que clicamos num link, termos informação no segundo seguinte. Quando enviamos um SMS, umemail, esperamos uma resposta muito rápida. Esta mudança da forma como percepcionamos o tempo e a nossa necessidade de resposta imediata influencia definitivamente a forma como usamos os media em geral. Esperamos muito mais estímulos e respostas muito mais rápidas do que as que tivemos no passado. Por um lado, há muitas coisas boas nisso. Por outro, isso desafia as organizações dedicadas a notícias. A distinção na qualidade, nas fontes de informação torna-se cada vez menos importante, porque as pessoas apenas querem muita coisa e rapidamente – e torna-se difícil para as empresas demedia se distinguirem umas das outras e dizerem às pessoas para abrandar e passarem mais tempo em cada coisa que publicam. Não sei como é que a indústria dos media se vai adaptar e fazer a transição, porque ainda estamos no meio do processo.
Disse concordar com os críticos do Facebook e do Twitter que vêem estas redes sociais como meios para satisfazer a nossa vaidade e necessidade de auto-expressão. Como é que responde a outra corrente que as descreve como um bem valioso que mobiliza pessoas e produz conteúdo, tirando vantagem das pessoas que têm tempo livre para fazerem coisas a favor da comunidade?
Concordo com muitos desses argumentos. Uma das coisas boas da Internet é que permite às pessoas expressarem-se de mais formas do que no passado. Não sou contra a auto-expressão. O que acontece, particularmente com o Facebook, é que se tornou menos sobre auto-expressão profunda e tornou-se mais uma gestão de imagem, autopromoção, é a ansiedade de estar constantemente em conversa e a actualizar o perfil. De alguma maneira somos tão puxados pela nossa auto-imagem que estas ferramentas nos incentivam a pensar na forma como nos apresentamos a nós próprios, como se fôssemos uma criação mediática a toda a hora. E isso pode interferir com uma auto-expressão profunda. Mas cada rede é diferente – a forma como evoluíram fez com que se tivessem tornado mais uma auto-expressão rápida do que profunda.
Ainda é crítico de projectos como a Wikipédia?
Quando escrevi isso em 2005, a Wikipédia não era especialmente boa, embora recebesse já todo o tipo de elogios. Mas tenho de reconhecer que se tornou muito melhor. Em muitos aspectos é uma produção incrível de pessoas que se interessam por democratizar a informação. Melhorou e desempenha um papel muito importante de distribuição de informação grátis para pessoas que, de outro modo, teriam dificuldade em chegar a ela. Acho que há sempre o perigo de se tornar a única fonte de informação, em vez de ser apenas o ponto de partida.
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