terça-feira, 23 de julho de 2013

A leitura e a vida (Mário Vargas Lhosa)

"Sempre causa dó encontrar pessoas que, podendo adquirir conhecimento, tendo-o ao alcance da mão, renunciam a fazê-lo. Há milhões de seres humanos, que podem estudar, ler, adquirir cultura, e optam espontaneamente por permanecer nas trevas. Estas pessoas não se conscientizaram de que a leitura é um dos mais enriquecedores afazeres do espírito, uma atividade insubstituível para a formação do cidadão, por isso esse hábito deveria ser inculcado pelas famílias em todas as crianças e ser transformado em um programa educacional. 
A literatura, diferente da ciência, sempre foi e continuará sendo, enquanto existir, um denominador comum da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e conversam, não importando quão distintas são suas ocupações. Quando se encontra alguém que leu o mesmo livro que lemos, a conversa flui naturalmente. Graças à literatura, entende-se melhor a vida e também se vive melhor, porque a ficção enriquece imaginariamente nossa existência, que se torna menos feia, menos triste e menos mesquinha. Toma-se conhecimento de vidas que são feitas de palavras e de imaginação as quais coexistem com a vida real. A literatura não nasce, quando o escritor escreve a obra, mas sim, quando é lida por outros e passa a ser um fato social, quando se torna uma experiência compartilhada.
Um dos primeiros efeitos da leitura é sentido na linguagem, pois a pessoa que não conhece as obras literárias se expressa com menos precisão, com menos clareza e com menos vivacidade que aquela pessoa lida, visto que esta fez da palavra seu principal instrumento de comunicação, é uma pessoa que se aperfeiçoou graças aos textos literários. 
Quem não lê assemelha-se a um gago, já que sua linguagem rudimentar a faz ter tantos problemas de comunicação quanto este. Quem não lê, ou lê pouco, ou só lê lixo, pode falar muito, mas só dirá tolices, porque seu repertório de palavras é mínimo, é deficiente para expressar as idéias, que também são desinteressantes. A pessoa tem limitações, não só verbais, mas racionais, possui uma indigência de pensamento e de conhecimento, porque, com poucas palavras, com um vocabulário exíguo, não é possível a alguém apreender a realidade. Aprende-se a falar com correção, com rigor e com sutiliza graças à boa literatura e somente graças a ela. Não há outro caminho, pois nenhuma outra disciplina pode substituir a literatura na formação da linguagem com que as pessoas se expressam. Nenhuma ciência nos ensina a dominar as palavras nem a nos expressar com propriedade.
Falar bem, dispor de uma fala rica e diversa, encontrar a expressão adequada para cada idéia ou emoção que se quer expressar, significa estar mais bem preparado para pensar, ensinar, aprender, dialogar, sentir e emocionar-se. As palavras estão presentes em todos os atos da vida, mesmo naqueles que parecem distanciados da linguagem. Lendo, as pessoas evoluem até o nível do refinamento. Sem as obras literárias, os seres ficam semi-idiotizados e, a cada dia, pioram, vítimas de todos os meios de que a sociedade dispõe, para emburrecer seus membros, que buscam prazeres pouco diferenciados daqueles que saciam os animais.
O leitor, como eu, sabe que, com a literatura, somos outros, mais intensos, mais ricos, mais completos, mais lúcidos e sabemos questionar os fatos com argumentos. Uma sociedade livre precisa de cidadãos que leiam, pois este têm capacidade de questioná-la, e isso nós vimos ao longo da História: os lidos puseram a Igreja em xeque-mate e derrotaram os demônios avassaladores que ela fazia questão de propagar. A civilização nasceu e avançou neste momento.
A literatura forma cidadãos críticos e independentes, difíceis de manipular, em permanente mobilização e com uma curiosidade sempre em brasa, pois, ao mesmo tempo em que ela tira, por horas, a pessoa da vida real, incrementa e desenvolve sua sensibilidade, fazendo-a enxergar o que os outros não percebem, aqueles que apenas vivem desenvolvendo atividades cerebrais básicas. Se dependermos dos que desprezam a leitura, chegaremos a uma sociedade em que as palavras serão substituídas pelos grunhidos e pela gesticulação simiesca.
Nossa história não está escrita, não existe um destino preestabelecido que tenha decidido por nós o que seremos. Pode-se optar pela literatura, fonte motivadora que refina a sensibilidade, ensina a falar sobre tudo o que se deseja e conseqüentemente faz a pessoa mais livre. Infelizmente, há os que optam por não conhecer e acham que civilidade é computador, tela e microfones." (Mário Vargas Lhosa)

                            

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